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'A compra de um veículo novo só devia pagar a taxa de IVA'

A compra de carros recuperou terreno em fevereiro. É uma boa notícia para o setor?

Cresceu 32%. Foram matriculados 14.122 veículos, mas se comparáramos com 2019 e 2020 verificamos uma descida. Em termos comparativos há uma descida face aos meses antes da pandemia e de toda esta crise que estamos agora a atravessar. 

Mas dá ideia de um balão de oxigénio…

Parece, mas infelizmente não é isso que se verifica. Claro que, se compararmos com o mês homólogo houve um crescimento. Se for comparar com fevereiro de 2020 – a pandemia começou em março e fevereiro ainda foi um mês normal – verificamos um decréscimo de 43%, o que é muito significativo. 

A poupança dos portugueses tem atingido níveis recorde. Isso não poderia estimular mais a compra?

Sim, de alguma maneira. Os portugueses durante a pandemia pouparam mais por terem algum receio em relação ao futuro. Também há um outro fator que está a condicionar a venda que é não haver carros para entrega em condições normais, como havia antes da pandemia. O mundo mudou, a situação alterou-se e estes números seriam outros se tivéssemos um fluxo normal de produção como havia antes da pandemia. Há uma falta de carros para a entrega e nota-se inevitavelmente no número de vendas. 

Os carros de serviço e os seminovos também não existem…

Acabou-se este canal porque há menos carros seminovos ou provenientes da atividade do rent-a-car. Apesar do rent-a-car estar a recuperar foi uma atividade profundamente afetada pela pandemia, logo em 2020 teve uma queda muito grande, começou a recuperar em 2021 mas ainda não estão a chegar os veículos que chegavam anteriormente. E isso contribui para que não haja no mercado de usados veículos suficientes para satisfazer a procura. 

E para quem pretende comprar um carro novo depara-se com cinco e seis meses de espera…

Sim. É uma dor de cabeça.

Por causa da crise dos chips?

As linhas de produção, muitas delas, ficaram paradas por causa da crise dos semicondutores. Não conseguem corresponder ao que é o normal fluxo de fornecimento da cadeia de produção devido à falta de chips e isso prejudica todo o canal de produção, já que estamos muito dependentes da Ásia. Precisamos de contar ainda com as dificuldades de transporte. O transporte marítimo é hoje muito diferente do que era antes da pandemia. Há um aumento exponencial dos custos de transporte porque há menos oferta e isso contribui para esta dificuldade de trazer os componentes que são necessários para o fabrico dos automóveis.

Daí os níveis de produção também não serem animadores…

A produção não tem sido suficiente porque é afetada pelo problema dos chips. Fechámos 2021 com um crescimento de 9,7%: 280 mil unidades. Em 2019 tínhamos produzido 345 mil veículos. Ainda assim é positivo em relação ao ano passado. No início do ano estamos com uma queda de 30%, mas ainda estamos no arranque. Não é relevante, nem podemos aferir daqui qualquer conclusão.

Chegou a falar numa terceira guerra mundial. Agora estamos mesmo numa guerra…

Na altura, estávamos a falar de um cenário hipotético. Agora infelizmente estamos numa guerra. Ainda não sabemos quais serão as consequências, mas vão ser muito graves. O aumento do barril do petróleo para 300 dólares vai ter impacto muito forte na economia. Não sabemos como vai evoluir e o automóvel é um setor barómetro da economia. Como vimos com a pandemia, a alteração das condições de confiança das famílias e das empresas ou qualquer incerteza em relação ao futuro espelha-se imediatamente na procura automóvel. Esta é muito condicionada por esse tipo de situações. Aproximamo-nos de uma situação de completa incerteza, mas que será muito significativa, desde logo, pelo aumento dos custos de energia, do petróleo, do transporte. Tudo isto cria problemas bastante graves à industria automóvel. 

Estamos perante um cenário desanimador: falta de matéria-prima, aumento de custos…

Vamos ter um aumento de custos de produção porque as fábricas consomem energia, precisam dos transportes marítimos e depois o preço do petróleo condiciona toda a economia em geral. Também as famílias vão ter um aumento muito grande dos seus custos, com os preços dos bens de consumo diário a subirem, esperemos que não seja muito significativo, e como tal, a propensão para as pessoas investirem e consumirem será redirigida, o que poderá afetar o comércio automóvel. Quando estávamos a assistir a um retomar do fluxo turístico que é muito importante para a economia portuguesa e também para a atividade do rent-a-car e para o comércio automóvel não sabemos o que é que os próximos meses nos vão trazer, nem que impacto vai ter no setor automóvel.

Estes aumentos dos combustíveis poderão levar os portugueses para a compra de carros elétricos?

Sim e já estamos a aumentar as vendas. Em fevereiro, as energias alternativas tiveram aumento de 89%, sendo que os elétricos aumentaram 120% e pensamos que essa é uma nova realidade. Ainda esta semana, a Comissão Europeia falou no novo paradigma de reduzir a nossa dependência dos combustíveis fosseis e do petróleo. A Europa tem de reduzir essa dependência e isso faz-se com as energias alternativas. 

Mas depois assistimos ao reverso da medalha com os preços da energia também a aumentarem…

O preço da energia está a aumentar e os postos de carregamento ainda não são suficientes para corresponder à procura. Mas a partir do momento, em que os carregamentos deixaram de ser gratuitos, as pessoas antes de tomarem uma decisão têm de ver qual é o seu tipo de percurso, qual o seu tipo de quotidiano para verem onde é que podem carregar as viaturas. A compra um veículo elétrico tem de ter sempre isso em mente. 

As medidas do Governo para atenuar o preço dos combustíveis, nomeadamente o AUTOvaucher e a diminuição do IVA sobre o ISP são suficientes?

O problema é a elevada carga fiscal que existe em Portugal. Espanha tem uma carga fiscal menor. Uma atenuação do IVA seria o ideal mas há regras europeias e o Governo não pode estar a alterar. Mas seria uma oportunidade para rever. 

O que espera do próximo Orçamento para o setor automóvel? Tem defendido a redução do IVS e do regresso ao incentivo ao abate…

O Governo ainda não tomou posse e há um Orçamento pré-feito do ano passado. Ainda não sabemos se é esse que o Governo vai apresentar na Assembleia da República. Vamos falar com os próximos responsáveis, mas certamente terá de ser diferente porque estamos num momento diferente, numa situação de guerra e o setor automóvel é chave da nossa economia. Há um certo nível de apoios que gostaríamos de concretizar, como é o caso do aumento dos incentivos para os veículos elétricos. Portugal foi dos únicos países da Europa Ocidental que, com a crise da pandémica, não aumentou os incentivos para os elétricos e dissemos isso ao Governo e ao ministro do Ambiente. Quando se fala em mudar para o modelo elétrico temos também de ver a questão da chamada acessibilidade. Ou seja, as pessoas têm de ter capacidade e acessibilidade para comprar esses veículos. E compete aos Estados que já que impuseram metas em termos europeus de redução de emissões e de cumprimento de normas muito restritas na Europa incentivar essa compra, através de políticas públicas de apoio. Em Portugal temos o fundo ambiental que existe para apoiar a descarbonização e novas energias, mas achamos que deve aumentar não só o montante, mas também o universo de veículos abrangidos que, neste momento, é claramente insuficiente. Não estamos com muita confiança porque já conhecemos a proposta de Orçamento que este Governo levou ao Parlamento e não passou. Agora tendo maioria absoluta tem legitimidade para o apresentar, certamente adaptado a esta crise internacional.

O ministro do Ambiente anunciou um reforço do apoio de três para quatro mil euros…

Ainda não saiu o despacho. Mas isso é o valor de apoio aos veículos ligeiros de passageiros, mas o ministro também referiu que o valor global de apoio tinha duplicado. Vamos aguardar.

Em relação ao incentivo ao abate acha que há alguma abertura?

Aí o Governo não tem dito nada. Mas a ACAP tem defendido as mesmas medidas como tem existido em outros países. Espanha é o exemplo mais próximo, mas em Portugal não se concretizou nada nessa matéria.

Qual seria o valor desejável?

Defendemos uma solução diferente da que existia no passado que passava por uma redução do Imposto sobre Veículos. Achamos que devia ser feito um sistema, semelhante ao de Espanha, em que foi criado uma linha de apoio. Tivemos várias linhas do programa Apoiar que podiam ter servido para isso, mas agora também no âmbito do PRR defendemos que também isto devia ter sido incluído. O ideal seria definir um valor de incentivo para as pessoas poderem trocar o seu veículo. Propusemos 1.500 euros que podia ser majorado no caso de compra de um elétrico, mas que podia ir até aos dois mil euros.

Seria a solução para renovar o parque automóvel?

É a única solução e o único instrumento que existe e que foi usado por todos os Governos no ano passado por causa da covid. Estamos a falar de Espanha, França, Itália, Roménia, Grécia, etc. que usaram esse instrumento para incentivar as pessoas a trocar de carro com 15/16 anos. Portugal tem 1,5 milhões de carros com mais de 20 anos a circular e assim poderiam trocar por um carro novo, de baixas emissões, ou até mesmo elétrico. Mas as pessoas devem ter o direito de escolher se querem um de baixas emissões ou um elétrico. 

E a redução da carga fiscal iria dar um novo fôlego?

Temos um dos IVA mais elevados sobre o setor automóvel, só os países nórdicos é que nos ultrapassam. Em Portugal acresce também a taxa do IVA incidir sobre o ISV, o que é uma situação de grande injustiça e eleva o agravamento da carga fiscal. Defendemos antes de mais uma renovação do sistema de tributação dos veículos automóveis, a famosa carga fiscal ser descontinuada no momento da compra do veículo. No limite, um veículo novo só devia pagar a taxa de IVA, como acontece com a compra de outros bens e não ter este imposto especial. Reconhecemos que não é possível «acabar de um momento para o outro, mas pode ser descontinuado durante um certo período. E depois a própria taxa do IVA que é muito elevada devia ser reduzida.

Na ultima entrevista disse que se não houvesse um plano de retoma para o setor, muitas empresas iriam encerrar até ao final do ano. Tem esses dados?

As empresas têm um grande espírito de resiliência. Já demonstraram esse espírito nas crises de 2008 e 2012 e com a covid voltaram a demonstrar. Fizeram um esforço muito grande em manter a sua atividade e a sua força laboral. A situação é difícil e as empresas estão a fazer um esforço para se manterem em atividade e manterem a porta aberta. Vamos ver o que nos espera este ano.

Chegou a dizer que o setor era uma persona non grata para o Governo e que havia uma perseguição fiscal…

Passamos por esta crise terrível da pandemia, agora em fevereiro, em termos de comparação com fevereiro de 2020, tivemos uma quebra de 42%. É um dos setores, a par do turismo, foi dos mais afetados pela pandemia e houve uma série de linhas de apoio especificas para outros setores e, ainda bem que houve, mas para o automóvel não houve nada em especifico, quando em Espanha, França, Itália, etc., criaram de imediato linhas de apoio para a dinamização da procura no setor automóvel. Insistimos com o Governo em inúmeras reuniões para que isso também se verificasse em Portugal e, por isso, podemos dizer que durante esse período foi realmente persona non grata porque não teve qualquer tipo de atenção. Além disso, somos um país em que o automóvel tem importância na economia porque somos o principal setor exportador em termos de produção de automóveis, de componentes e o peso na balança de exportação é muito grande. O Governo devia pensar como pensa o Governo espanhol, o francês ou o italiano.

Quanto pesa quanto nas exportações?

Temos cerca de 14 a 15% de peso nas exportações. É um setor que não pode ser ignorado. Não somos a Dinamarca ou a Irlanda, onde não há produção automóvel. Aqui o setor automóvel tem um grande peso na economia.