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A rádio telefonia

Recordo-me como se fosse hoje de entrar no escritório do meu avô, decorado por prateleiras e mais prateleiras pejadas de copos de todos os tipos e feitios, uns com marcas outros sem, alusivos a datas, efemérides, clubes de futebol ou países. Com bandeiras ou de formato original. Era lá que jogava futebol com ele e com a minha avó, em que as balizas eram a porta da casa de banho e uma outra porta, onde nos esperava um corredor que dava acesso às escadas, que nos levavam ao primeiro andar. Nesse escritório, que tinha um papel colado junto ao interruptor com a imagem do Eusébio, com a Bota de Ouro na mão, havia uma cadeira preta de pele, onde o meu avô invariavelmente se sentava, inclinado sobre a secretária, com o ouvido colado ao que ele chamava de telefonia. Um objecto retangular acinzentado, de onde saía uma grande antena que ele meticulosamente orientava para que o som do relato da Rádio Renascença saísse tão nítido que me fazia sentir em pleno estádio de futebol.

Desde esse tempo que a nossa relação se tornou muito próxima. O meu Pai, que na altura fazia uns programas na rádio, levava-me pela mão até aos estúdios e tudo aquilo me parecia absolutamente mágico. Os microfones, os vários aparelhos com ponteiros que balançavam de um lado para o outro, os grandes auscultadores ou os gira discos, tudo me fazia brilhar os olhos. Era através dele que lá em casa ouvíamos os resultados das eleições (na altura não existiam estas edições especiais na televisão, nem sondagens à boca das urnas, bons tempos…), que ouvia música à noite e que, em plena Serra Nevada, no cume mais alto onde um carro podia chegar (e graças à perseverança do meu Pai) ouvi com algumas interferências o golo da famosa mão de Vata, que levou o Benfica à final da então Taça dos Clubes Campeões Europeus.
Ao longo dos anos, a rádio foi perdendo preponderância na vida dos portugueses, sobretudo graças ao poder da imagem, mas voltou a reconquistá-la muito à custa das horas que inevitavelmente passamos dentro do carro, no meio do trânsito. Hoje em dia voltou a fazer parte do nosso quotidiano, com vozes icónicas e com programas muitas das vezes mais interessantes do que os da televisão. Parece que daqui por uns tempos vão deixar de existir frequências e com o digital muito mais rádios poderão surgir, uma vez que bastará ligar à internet e escolher a plataforma que se quiser. A mim, pessoalmente, sempre me fascinou o poder da voz, os timbres característicos de cada pessoa a colocação e a forma empolgante como nos permite viajar através da nossa imaginação, sem termos que colocar o rótulo do bonito ou feio, do magro ou do gordo, em tudo.

Este domingo, dia 13 de Fevereiro comemora-se o Dia Mundial da Rádio, a que o meu avô docemente chamava de telefonia e que me ficou para sempre no ouvido. Como no ouvido me ficaram tantos programas e tantas músicas que me acompanharam para a escola, nas viagens em família ou para adormecer. Sinto-me um privilegiado por ter usufruído de um tempo em que se ouvia rádio e se liam jornais. Tudo o que desejo é que da mesma forma que a rádio se reinventou muito por força das circunstâncias, também os jornais, tão atacados pela pirataria, consigam dar a volta por cima. Porque ambos fazem parte da nossa cultura e promovem o desenvolvimento intelectual, combatendo de uma forma pouco dramática a ignorância cada vez mais instalada. Parabéns à Rádio!