Um fedor insuportável a bafio voltou a pairar sobre o futebol em Portugal. No lugar das velhas Antas, que será sempre, para mim, o bairro das Antas, no jogo que muitos ameaçaram decidir o título (e deverá ter decidido), FC Porto e Sporting, os seus responsáveis e os seus jogadores, envolveram-se num jogo cavernícula digno de outros tempos que, convenhamos, podem ter estado adormecidos, mas nunca foram erradicados.
Foi percetível, e portanto adivinhável, que a partir do momento em que o presidente portista se viu envolvido em manchetes da imprensa pouco abonatórias para quem tem a seu cargo o governo de um clube, com dinheiros largos a serem questionados em relação às suas origens e aos seus destinos, que o antigo sistema tão anquilosado no FC Porto iria responder em força, tanto no campo como fora dele. Ao estilo de quem diz: “Este ano, para defender o amo, seremos campeões a qualquer preço!”.
Quem se espantou com este movimento, até ao momento ainda submerso mas fervilhando o suficiente para há muito vermos bolhas à superfície, tal como parece ter acontecido com o presidente do Sporting, é porque nada percebe do futebol onde está metido. Sempre assim foi e sempre assim será. Não é uma questão de atitude nem de nome. É uma questão de filosofia e de sobrevivência. Foi desta forma, através de uma idiossincrasia inventada por José Maria Pedroto, o grande ideólogo desta forma de viver anti-Lisboa, anti-centralismo, anti-tudo-o-que-mexe, que os portistas saíram do seu casulo de pequenez, é desta forma que sabem estar no mundo e vão continuar. Por mais que passem cem dias ou cem anos, quanto mais quarenta.
De futebol, no clássico de sexta-feira à noite (2-2), alguns minutos de futebol, mais alguns de intensidade e de ganas, a maioria deles desperdiçados num grotesco teatro de quedas espetaculares, de rebolões de marionetas agarradas aos queixos e às canelas, tudo perante a complacência de um árbitro inepto, incapaz de impor a sua autoridade às atividades histéricas dos presentes nos bancos das duas equipas, aquele lugar onde apenas o treinador tem autorização para estar em pé enquanto a bola rola, por muito infantil que esta regra possa parecer no nosso futebolzinho a armar ao pingarelho de mãuzões por todo o lado.
As queixas e os processos, enviados para a Liga, para a FPF ou para os tribunais (segundo o Sporting, cujo presidente terá sido espoliado do telemóvel e da carteira, imagine-se ao ponto de bandidagem barata, à pilha-galinhas, a que se chegou) darão guita aos jornais e às tevês, cairão certamente em saco roto, e decidir-se-ão no dia de São Nunca, pela tardinha.
As raivinhas bacocas, os apanha-bolas que atiram pedras e escondem as mãos, os dirigentes disto e daquilo que continuam a fazer dos túneis ruas escuras de qualquer Bronx, não bulirão com a paz podre de um edifício em ruínas. A inimputabilidade de Sua Eternidade, no seu assento a Oeste de Pecos, será respeitada por polícias, inspetores e juízes, como sempre foi. O papa, mesmo que em minúsculas, só tem de prestar contas a Deus, e ainda assim tenho muitas dúvidas. Tudo continuará a ser como foi. Um futebol de navalha na liga, rasteirinho até mais não, lugar mal frequentado por gentalha ordinária que ainda não chegou à fase de possuir um polegar oponível nas mãos, mantendo o que tem nos pés. Quem não gostar que não veja.Virar a cara para o lado sempre foi remédio santo para este cancro cheio de metástases.
Sombras na Luz Adivinhável também mais uma pífia exibição do Benfica, anteontem na Luz, frente aoSanta Clara (2-1). Poucos minutos de velocidade e de intensidade, muitos, muitos de molenguice pura, sem ideias nem vontade. Veríssimo não conseguiu trazer nada de novo à equipa pelo que já é de perguntar se não era melhor ter conservado Jesus até ao fim. Não tem ideias, não tem uma estratégia, não alimenta um pingo de entusiasmo. E, mal se viu a ganhar, acobardou-se, retraindo o conjunto, sujeitando-o a mais um descalabro. Se calhar também é melhor virar a cara para o lado.