Para aí há uns quarenta anos fui preso na Roménia de Ceausescu por não ter um visto que me permitisse andar livremente por um país pouco livre. Eu e o Miguel Vieira da Silva, que viajava comigo de comboio aos saltos pela Europa, fomos atirados para uma infecta sala de alfândega em Timisoara e obrigados a esperar durante quase dois dias que nos fizessem a fineza de nos expulsar pela fronteira com a então Jugoslávia. Acabei por ter tempo de conhecer a Roménia noutras alturas. Como numa noite fantasmagórica em Bucareste, na qual o velho dono do Steua (que chegou a deputado europeu!), Gigi Becali, fez todos os possíveis e impossíveis para que os seus convidados saíssem pela manhã de uma festa ou bêbados ou acompanhados, de preferência ambos. Não sei porquê, mas a maior parte das minhas memórias sobre a Roménia são um pouco escuras. Em Cluj, com o Carlos Mateus e o Francisco Febrero também foi pela noite dentro que vivemos quase todos os dias. Aliás, se for a ver com atenção, a maior parte dos meus dias foram passados de noite, o que é pena porque adoro o Sol. Só não consigo é ter os mesmos horários do que ele. O meu amigo Horatiu é de Cluj. Ou de Cluj-Napoka como ele prefere dizer. Tem lá as suas manias, mas é um camarada generoso e agradável. Com ele, com o Bernardo Trindade, com o Nuno Miguel Guedes (e com o Cotrim, sempre!), arrastamos muitas horas após o Sol se esconder para lá do horizonte na nossa mesa do canto esquerdo, no Calcutá do Hiren e do Nilesh à mistura. O tempo passa, a conversa dilui-se, e o Horatiu vai perguntando a cada cinco minutos no seu português arrevesado: «Estou a ficar chato?» Homessa! Como se não estivéssemos todos. Por outro lado, temos a vantagem de esquecer facilmente as secas que pregamos uns aos outros, e no dia seguinte retomamos o convívio. As ressacas é que são o pior. Como dizia o humorista americano Robert Benchley, o único remédio para uma ressaca é a morte.