No meio de uma corrida global a minerais raros como o lítio, a saída da coligação liderada pelos Estados Unidos do Afeganistão, e a queda do Governo que apoiavam, parecia deixar um tesouro nas mãos da China. Mas os depósitos de lítio, cobre e terras raras agora sob controlo talibã, estimados no equivalente a mais de um bilião de dólares, não são assim tão fáceis de agarrar.
Não só as maiores reservas afegãs de lítio – essencial para produzir baterias, e o mineral que mais interessaria à China, que já se tornou o maior fabricante global de veículos elétricos, apesar de só possuir uns 7% das reservas mundiais de lítio – ficam em regiões remotas, com poucas ou nenhumas infraestruturas, como a lua de mel entre Pequim e Cabul tem sido bem mais fria do que esperado. Afinal, a China está preocupada que islamitas uigures – uma minoria muçulmana chinesa, contra quem o regime é acusado de cometer um genocídio – recebam abrigo e treino nas montanhas do Afeganistão, pondo em perigo a sua preciosa Nova Rota da Seda.
O futuro do Afeganistão, em tempos descrito pelo departamento de Estado americano como potencial “Arábia Saudita do lítio”, torna-se ainda mais crucial numa crise energética, com o investimento nas energias renováveis a explodir, sem que cadeias de abastecimento consigam acompanhar. Pode soar estranho falar de abastecimento destas fontes de energia, como solar, hidroelétrica ou eólica, muito mais uniformemente distribuídas pelo globo que combustíveis fósseis. Mas é fácil esquecer que, para fazer as baterias que estas requerem, primeiro é preciso minerar lítio.
Sendo previsto que a procura de lítio cresça 4200% até 2040, segundo a Agência Internacional de Energia, “estes minerais agora estão no terreno da geopolítica”, escreveu a Foreign Policy. Esta corrida ao lítio até já fora antecipada pelo 13.º plano quinquenal chinês, que declarou os anos entre 2016 e 2020 como “período de batalha decisivo” na disputa pelos minerais raros, lembrou o Financial Times, direcionando empresas estatais e privadas chinesas a investirem em controlar reservas pelo mundo fora.
Com novos projetos de extração a surgir fora do chamado “triângulo do lítio” – na Argentina, Bolívia e Chile, que se estima terem 53% das reservas comercialmente viáveis deste mineral – em países como Portugal (ver páginas 10-16), Espanha, Alemanha, EUA, Canadá, Reino Unido ou México, a riqueza debaixo do solo afegão é a grande incógnita. No entanto, nada indica que num futuro próximo a China consiga chegar a ela.
Aliás, o embaixador chinês para a ONU, Zhang Jun, ainda na quarta-feira se queixou que entre duzentos a setecentos militantes do Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, um grupo jiadista que luta pela autonomia dos uigures, andavam à solta no Afeganistão. E que prometiam guerra santa em Xinjiang.
“A retirada das tropas estrangeiras criou um vácuo na situação de segurança, providenciando uma oportunidade para forças terroristas se aproveitarem do caos”, lamentou Jun, citado pelo South China Morning Post. E deixando um aparente recado aos talibãs – que têm laços históricos com jiadistas uigures, mas estão desesperados por investimento vindo da China – de que a tolerância face a estes militantes “terá sérias consequências”.
Claro que o falhanço abismal dos anteriores investimentos chineses em minério afegão não são encorajadores. A empresa estatal China Metallurgical Group Corporation chegou assinar um acordo em 2007, no equivalente a uns incríveis 2,5 mil milhões de euros, alugando o direito a explorar durante trinta anos as minas de cobre de Mes Aynak. Depois de gastarem mais de 325 milhões de euros a desenvolver a infraestrutura da região, acabaram por desistir do projeto, entre recorrentes alegações de corrupção.