Desloco-me todas as semanas por razões profissionais ao Largo do Carmo em Lisboa. Quando o tempo o permite gosto de dar os meus passeios a pé, ver o movimento turístico, perceber como a cidade se organiza, o que vai aparecendo e o que desaparece, deixando um rasto de saudade. Por vezes vou ao Chiado e subo ao Príncipe Real, outras “viajo” até aos Restauradores e daí para a Avenida da Liberdade em direção a Campo de Ourique. Uma das poucas vantagens da pandemia foi podermos circular à vontade, sem tropeçar em malas e maletas de turistas ou de quem vem de fora para cá morar, aproveitando os famosos vistos Gold ou o nosso bem mais valioso do momento: a segurança. Não acho que nos devamos aprisionar ao passado e que existem espaços que nos permitem um bom equilíbrio entre a nossa história, o desenvolvimento e a modernização, embora seja daqueles que sentem de uma forma especial os locais que me trazem memórias e boas recordações e que deixam de existir muitas vezes porque o tempo lhes vai subtraindo as referências ou tão só pela capacidade erosiva de certas experiências, supostamente inovadoras.
Foi precisamente uma dessas memórias, dos tempos em que ia ao Estádio da Luz com o meu pai, que me trouxe até esta crónica. Invariavelmente, após essas tardes bem passadas, (umas mais felizes que outras por conta do resultado e do quanto isso afeta um fervoroso adepto, sobretudo na pré-adolescência ) mas sempre em boa companhia, o ritual levava-nos a comer o que o meu pai tratava por “um bifinho” com molho, que era uma forma carinhosa de definir o pós jogo e que alternávamos com um maravilhoso pica pau do lombo.
Nessas minhas caminhadas, passo regularmente por ambas as “catedrais” onde íamos “forrar” o estômago, depois do jogo. O primeiro, a Cervejaria Trindade, desenhada no antigo Convento da Trindade, um espaço histórico, decorado com azulejo na rua com o mesmo nome, mas também o famoso pica pau à portuguesa na Cervejaria Pinóquio, em plena Praça dos Restauradores, ao fundo da Avenida da Liberdade. Com nova gerência desde 2018 e pertença de um grupo hoteleiro, o icónico espaço precisou de se mudar provisoriamente para a Rua de Santa Justa enquanto os proprietários realizavam obras no prédio antigo, para dar lugar a um novo hotel denominado Blue Liberdade, mas mantendo os empregados e a qualidade do costume. Agora findos os trabalhos, regressou à praça onde se tornou referência, de cara lavada mas com os sabores de antigamente. Um belo exemplo de evolução respeitando o património histórico existente.
Quanto à Cervejaria Trindade, das vezes que por lá tenho passado tenho-a visto sempre encerrada. Do que procurei saber foi-me dito que tinha encerrado permanentemente. Espero sinceramente que a informação que recolhi esteja errada. Embora nos últimos anos a qualidade já não fosse a mesma e se tenha perdido o hábito de parar o carro em frente só para ir comer um croquete e beber uma imperial, este é daqueles nomes que devia perdurar no tempo como parte da história da restauração lisboeta. Se seguir o caminho de outros, será assegurado por um dos muitos chefs que se acotovelam por aí, retirando-lhe a genuinidade que sempre a caracterizou. Aguardarei com expectativa, até lá vou-me contentando com um Pinóquio renovado e preparado para mais 40 anos de sucesso e a quem desejo o melhor.